2.25.2008
PAI
MEIO SÉCULO
Meio século poderia lhe ser pesado.
Talvez deixá-lo de cama...
Mas não faz.
As sabedorias se contam em anos,
E cinqüenta - número fechado -
Já é conhecimento a contento.
Principalmente para você,
Que me ensina sem palavras:
Dignidade, respeito e amor.
Inventaram ferro elétrico, camisinha de látex e computador,
Você viu tudo.
Aos domingos, quando somos mais felizes,
Jogamos bola, rimos a felicidade dos justos e amamos em silêncio.
Por isso, sempre que me incomodo,
Lembro do meio século que pretendo ver
E fecho os olhos pedindo:
Que seja domingo, que seja domingo, que seja domingo.
2.15.2008
DUAS EM TRÊS
Duas em três. Eram as chances. Daria na mesma se fosse uma em duas? Correu para o ponto de ônibus, mesmo sabendo que não existia nenhum motivo para correr: era um jogo simples e os dois participantes sabiam bem o provável resultado.
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Saiu sem pressa da loja de sapatos. Trabalhava lá fazia poucos meses, mas arranjou uma desculpa qualquer para sair mais cedo. Sempre foi assim. Cativante. Queria chegar bem.
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Primeiro ponto depois do Aterro, o menor e mais escuro. Impossível não achar graça quando da primeira vez que batemos os olhos em algo após sua perfeita descrição. Acrescentaria um adjetivo: limpo. Menor, escuro e limpo, uma ode avessa no meio das pinturas, grafites e luzes viciadas. Sentou-se então. E esperou.
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Incrível como as coisas parecem mais absurdas de perto. E ele era mesmo um abuso no quesito esperança. Na verdade na falta de produção dela. Ele nunca esperou na vida. Por isso era tudo tão estranho.
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Quando era menina, encontrou um retrato em preto e branco da mãe, sentada em um banquinho de tijolos, segurando uma improvável boneca. Mas não sabia que era a mãe, pensou em si mesma. Agora, tinha certeza absoluta que fazia o vinco na bochecha, aquele mesmo vinco de sua mãe, entre o aborrecimento e a espera. Aliás, quem garante mesmo que era a mãe no retrato?
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Uma menina na calçada o fez lembrar dela. Quase tudo ultimamente fazia. Pensou em suas mãos.Pensou em estrelas. Ela o fazia suspirar. Suspirava. – Tudo bem? A menina não respondeu. Essa era a vantagem, ela responderia sem pestanejar. Assim pensou e seguiu.
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Água tônica com bastante gelo e limão. Olhou pela janela de vidro e percebeu que as terças o mundo é bem lento e vazio. Num gole foi o primeiro copo. Encheu o segundo, e lá ficou o gelo a diluir o açúcar da bebida.
Depois do episódio do retrato, esperava os pais sairem para revirar o quarto em busca de outros tesouros. Um dia, na mais alta gaveta, deu-se o encontro com a chave. Bom, o que ela abria, nunca soube, mas a chave continua dentro de uma gaveta, placidamente aguardando seu destino.
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Crianças! Queria quatro. Dois casais. Percebeu que andava mais rápido. Entendeu o motivo. Diminuiu. "Ela vai ficar linda com carinha de brava". Uma mentirinha qualquer sobre o chefe, os colegas novos, ela entenderia e desculparia.
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Mais uma água. Dessa vez, com gás, apenas. Na janela, finalmente!, ele virava a esquina sem pressa alguma. Parou antes de atravessar a rua. Olhou no relógio. Ela, um pequeno sorriso.
Na mesa vazia, o copo transborda de gelo derretido, palitinhos de dente quebrados, pequenos desenhos em forma de estrela, coração e cubo escurecem um canto da toalha de papel.
Recolhendo o dinheiro o Garçom confirma, entediado: - É moço, essa aí que você procura acabou de sair daqui.